HOMILIA
"Para Encontrar a Vida, É Preciso Perdê-la"
Queridos irmãos e irmãs,
O Evangelho de hoje nos fala com palavras fortes e desafiadoras sobre o que significa encontrar o verdadeiro sentido da vida. Quando Jesus diz que "quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem a perder, conservá-la-á para a vida" (Lc 17,33), Ele nos revela o paradoxo fundamental da existência: aquilo que verdadeiramente importa e nos aproxima de Deus não está no acúmulo de bens, na afirmação do nosso ego ou na busca incessante de segurança. Pelo contrário, é quando renunciamos a essas coisas, quando soltamos o que nos amarra à ilusão de controle e à ânsia de posse, que nos abrimos para uma vida mais plena e verdadeira, uma vida que não se esgota nos limites da matéria.
Vivemos em uma época de grandes avanços materiais e tecnológicos, mas também de profunda inquietação espiritual. Somos incentivados a acumular, a construir identidades sólidas e a buscar garantias contra toda forma de vulnerabilidade. No entanto, por mais que nossos lares estejam cheios e nossa imagem pública esteja lapidada, percebemos que algo essencial ainda nos escapa. Nossos corações, no fundo, anseiam por algo que nem a posse de bens nem a segurança do ego podem dar: o encontro com a eternidade, o contato com o divino.
Jesus nos convida a romper com essa lógica de autossuficiência. A vida que Ele propõe é uma vida paradoxal, que exige desapego e uma confiança inabalável. Não se trata de rejeitar o mundo ou de negar as bênçãos que recebemos, mas de situá-las em uma perspectiva mais ampla e profunda, onde as posses são apenas meios e não fins, onde o ego é uma etapa e não um destino, e onde a autoconservação não é o valor supremo.
Abandonar o apego à nossa própria vontade e ao conforto da segurança abre uma porta para a liberdade interior. Quando renunciamos ao domínio do “eu”, permitimos que Deus nos habite, que Sua presença preencha o vazio que antes tentávamos preencher com coisas e status. Esse desprendimento nos conduz a uma união com o mistério da criação, onde percebemos que fazemos parte de um movimento maior, uma jornada que transcende o individual e o imediato. Na aceitação de nossa pequenez, encontramos nossa verdadeira grandeza; na entrega de nossa vida, descobrimos a Vida que nunca passa.
Portanto, somos chamados a ousar perder o que pensamos possuir para encontrar aquilo que nos espera na eternidade. Esta é a promessa de Jesus: que ao deixar ir as coisas que não podem nos salvar, recebemos em troca a verdadeira vida, a vida que se une ao Amor de Deus e se torna parte do próprio coração do universo. Que o Espírito Santo nos conduza nessa jornada de desapego e que possamos, um dia, alcançar a plenitude dessa Vida que já nos espera no âmago do mistério divino. Amém.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação Teológica de Lucas 17,33: "Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem a perder, conservá-la-á para a vida"
1. O Paradoxo do Apego e da Vida Verdadeira
A frase de Jesus expõe um paradoxo que desafia nossa compreensão habitual da vida: ao tentar "salvar" nossa própria vida, acabamos por perdê-la; ao "perdê-la", conservamo-la para a vida eterna. O "salvar a vida" se refere a um apego que muitos têm às seguranças terrenas — bens materiais, reputação, poder e controle sobre o próprio destino. Jesus nos ensina que, paradoxalmente, quanto mais nos agarramos a esses elementos, mais nos afastamos da verdadeira Vida. A segurança que buscamos nas coisas finitas acaba por nos aprisionar, pois a ânsia de controle e de posse desvia nossa alma do que é realmente essencial e eterno.
2. Vida Física e Vida em Deus
A palavra "vida", neste contexto, vai além da mera existência biológica. Jesus fala de uma dimensão mais profunda: a "vida em Deus". Enquanto a vida física é passageira e limitada, a vida em Deus é plena, eterna e transcendente. Ao tentar "salvar" nossa vida por meios terrenos, estamos, na verdade, colocando barreiras entre nós e a plenitude que só Deus pode oferecer. Assim, apegar-se a uma vida egoica, centrada em si mesmo, é perder o acesso à fonte da verdadeira Vida. Esse apego nos impede de encontrar a paz e a liberdade que brotam de uma relação de plena confiança em Deus.
3. O Significado de "Perder a Vida"
Quando Jesus fala sobre "perder a vida", Ele se refere a um ato de entrega e desapego, em que renunciamos ao domínio do ego e do apego material. Este "perder" não é uma anulação da própria vida, mas um abandono das falsas seguranças e do desejo de controle sobre tudo. Aquele que “perde” a vida nesse sentido se abre à ação de Deus, permitindo que o amor divino ocupe o espaço antes controlado pelo ego e pelas posses. Nesse movimento de entrega, a pessoa encontra a verdadeira essência de sua existência, um ser que se transcende, unindo-se ao mistério do próprio Deus.
4. A Conservação da Vida pela União com Deus
Ao "perder a vida" terrena — ou seja, ao renunciar à centralidade do ego e ao apego a bens finitos —, a pessoa passa a "conservar" sua vida em um sentido eterno. Esse desprendimento abre o ser humano para a comunhão plena com Deus, onde a verdadeira Vida é encontrada. Aqui, conservar a vida significa participar da vida divina, que não está sujeita às limitações do tempo ou da morte. A renúncia ao ego e à posse não é uma perda, mas uma transformação, em que nossa essência é unida ao amor eterno e incondicional do Criador.
5. Conversão Interior e Participação na Vida Eterna
A frase de Jesus, portanto, é um chamado a uma conversão profunda. Somos convidados a abandonar a ilusão de autossuficiência e a confiar inteiramente em Deus. Esta conversão interior exige coragem para renunciar ao que o mundo oferece como "salvação" e a buscar uma vida baseada na fé e na comunhão com o divino. Ao responder a este chamado, encontramos não apenas a salvação, mas também a verdadeira liberdade e paz que só o Amor de Deus pode oferecer. A vida que se une a Deus é conservada, pois sua essência ultrapassa a morte, unindo-se ao eterno e imutável Coração do próprio Deus.
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