HOMILIA
A Clareza do Olhar e a Verdade do Verbo
Amados peregrinos da existência, o Evangelho de hoje nos coloca diante de uma realidade inescapável: a maneira como percebemos o mundo e como nos expressamos revela a essência do que somos. “Pode acaso um cego guiar outro cego? Não cairão ambos na cova?” (Lc 6,39). Cristo nos convida a um exame profundo de nossa visão e de nossas palavras, pois delas depende o caminho que trilhamos e oferecemos aos outros.
Vivemos tempos de imensas possibilidades, onde o conhecimento e a comunicação se expandem como nunca antes. Contudo, essa vastidão de informações nem sempre é acompanhada pela clareza de discernimento. Muitas vezes, permitimos que nosso olhar seja obscurecido por preconceitos, interesses passageiros ou por um apego desordenado às próprias certezas. Em um mundo que se move rapidamente, a tentação do julgamento apressado se torna constante. Somos rápidos em apontar o cisco no olho alheio, mas relutamos em reconhecer as traves que nos impedem de ver com justiça e compaixão.
No entanto, o Evangelho não nos convida à inércia diante do erro, mas à responsabilidade de uma visão purificada. Cristo não condena o discernimento, mas exige que ele seja fruto de uma interioridade transformada. A liberdade verdadeira não nasce da imposição ou do controle sobre os outros, mas da clareza com que enxergamos a nós mesmos e ao mundo. Somente aquele que retirou a trave do próprio olho pode oferecer luz a seu irmão.
Do mesmo modo, nossas palavras moldam o ambiente que nos cerca. “Porque a boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,45). Se nossos discursos forem carregados de ressentimento e superficialidade, é isso que perpetuaremos. Mas se nossas palavras forem expressão da verdade e da busca sincera pelo bem, seremos agentes de transformação. Nos dias atuais, onde as redes sociais amplificam tanto a luz quanto a sombra da humanidade, esse chamado se torna ainda mais urgente. Cada palavra lançada no mundo carrega consigo uma força criadora ou destrutiva.
Cristo nos ensina que o bem e o mal não são meras convenções externas, mas frutos da própria natureza do ser. “Cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto” (Lc 6,44). Não há como colher justiça de uma raiz corrompida, nem verdade de uma intenção impura. Somos chamados a cultivar em nós mesmos o solo fértil onde a vida floresce. Somente assim a liberdade se realiza plenamente, pois ela nasce do encontro entre a consciência desperta e a verdade que a sustenta.
Que estejamos atentos ao que nos habita, pois do interior do nosso coração brota a visão que teremos do mundo e as palavras com que o construiremos. Que sejamos árvores de bons frutos, cuja sombra ofereça repouso e cujo fruto alimente a jornada daqueles que caminham ao nosso lado.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A Palavra como Expressão do Ser Interior
A frase "Porque a boca fala do que o coração está cheio." (Lc 6,45) revela uma profunda conexão entre a interioridade do ser humano e sua manifestação exterior. No pensamento bíblico, o coração não é apenas o centro das emoções, mas a sede da vontade, da inteligência e da espiritualidade. Ele representa o núcleo da pessoa, onde se processam seus pensamentos, desejos e decisões mais profundas. Assim, Jesus ensina que as palavras que proferimos são um reflexo direto daquilo que cultivamos internamente.
1. O Princípio da Interioridade e a Verdade da Expressão
A afirmação de Cristo parte de um princípio fundamental: o homem exterioriza aquilo que interioriza. Se a verdade, a justiça e o bem habitam o coração, então as palavras e ações tenderão a expressar essa realidade. Se, ao contrário, o coração está contaminado por falsidade, ressentimento e desordem, inevitavelmente essa corrupção se manifestará em suas palavras.
Esse ensinamento ressoa na tradição sapiencial da Escritura:
"Morte e vida estão no poder da língua; aquele que a ama comerá do seu fruto." (Provérbios 18,21).
Aqui, compreende-se que a palavra não é apenas um som, mas uma força criadora ou destrutiva, que edifica ou dissolve realidades.
2. A Palavra como Epifania do Ser
A teologia bíblica vê a palavra como algo mais do que um instrumento de comunicação. No Gênesis, Deus cria o mundo por meio da palavra: "Dixit Deus: Fiat lux. Et facta est lux." (Gênesis 1,3). Isso revela que o Verbo é manifestação do Ser. Essa mesma lógica se aplica ao homem, que, criado à imagem de Deus, reflete em sua palavra o que ele é.
Quando Cristo afirma que a boca fala do que o coração está cheio, Ele declara que a palavra não é neutra: ela revela o estado da alma. Assim, quem fala com sabedoria manifesta uma alma ordenada ao Logos divino; quem difunde malícia, revela um espírito desorientado.
3. O Critério do Discernimento Moral
A frase de Lucas 6,45 também oferece um critério para avaliar a autenticidade espiritual. Jesus ensina que a árvore se conhece pelos frutos (Lc 6,44). Assim, não se pode dissociar um bom discurso de um coração reto. Alguém pode fingir por um tempo, mas sua palavra, quando provada, revelará seu verdadeiro interior.
Por isso, na tradição patrística, os Padres do Deserto insistiam no silêncio como purificação da palavra. Aquele que se cala diante de Deus permite que sua interioridade seja trabalhada, para que, ao falar, suas palavras sejam portadoras de verdade e não de vaidade.
4. A Responsabilidade Espiritual da Palavra
Jesus nos lembra que as palavras não são indiferentes diante de Deus:
"Eu vos digo que de toda palavra inútil que os homens disserem, darão conta no dia do juízo." (Mateus 12,36).
Isso nos leva a compreender que a palavra é um ato moral. Aquele que busca a verdade deve zelar para que seu falar seja fruto de um coração bem ordenado.
Por fim, Cristo é o Verbo Encarnado, a Palavra que manifesta o coração do Pai. Segui-Lo significa purificar o interior, para que, como Ele, nossa boca fale apenas do que está cheio de luz, verdade e amor.
Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
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