terça-feira, 8 de abril de 2025

Homilia Diária e Explicação Teológica - 10.04.2025

 


HOMILIA

O Verbo que Precede o Tempo

No silêncio mais interior do ser, onde não há ruído de séculos nem pressa de relógios, ecoa uma afirmação que rompe toda forma de limite: “Antes que Abraão existisse, Eu sou.” Essas palavras de Jesus, ouvidas com o ouvido do espírito, não se referem a um passado cronológico, mas a uma presença anterior a todo tempo, onde o ser ainda não se fragmentara em nomes, castas ou estruturas.

A escuta desta Palavra — viva e pessoal — não é uma adesão a uma ordem imposta, mas um ato de liberdade interior, de ressonância entre a centelha da origem e a consciência desperta que escolhe ouvir. Guardar o Verbo é, assim, caminhar não como quem repete, mas como quem participa do próprio movimento do Ser em direção à sua plenitude.

A morte, na lógica do Cristo, não é fim, mas resistência dissolvida. Aquele que guarda a Palavra não verá a morte, porque já vive no espaço onde a morte não reina — o espaço da origem, da verdade, da presença que é. Não se trata de escapar do mundo, mas de entrar no mais profundo do mundo, onde tudo encontra sua unidade, não por imposição, mas por afinidade com a liberdade de ser.

Abraão viu esse dia e alegrou-se, porque no âmago de sua busca, na liberdade de sair de sua terra, ele pressentiu a luz que unifica o múltiplo. Jesus revela que este dia não é uma data, mas um estado do espírito: é quando o “eu” se curva ao “sou”, quando a existência se encontra com sua fonte.

O Verbo não obriga, ele chama. Ele não constrange, ele atrai. E o ser humano responde — ou não — de acordo com a dignidade de sua liberdade. Por isso, a verdadeira glória não está em se exaltar, mas em permitir que o invisível em nós resplandeça como o invisível n’Ele. E nesse brilho silencioso, a eternidade não está mais distante. Ela já começou.


EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA

A frase de Jesus em João 8,58 — "Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, eu sou." — é uma das mais densas e teologicamente reveladoras de todo o Evangelho. Nela, o Cristo revela, de maneira direta, sua identidade profunda, ultrapassando todos os limites da história, do tempo e da linguagem religiosa convencional.

1. “Em verdade, em verdade vos digo”
A repetição enfática do Amēn, Amēn (ἀμὴν ἀμὴν) indica solenidade máxima. Jesus não está apenas ensinando: está revelando. Trata-se de um momento de autocomunicação essencial, não de opinião ou parábola. É uma chave que abre um portal de compreensão ontológica do próprio Cristo.

2. “Antes que Abraão existisse”
Abraão é, para os judeus, o início da história da aliança. Ele representa o começo do povo escolhido, a raiz de sua identidade religiosa e genealógica. Ao afirmar que existia antes de Abraão, Jesus se posiciona fora da ordem cronológica humana. Ele não diz "fui criado antes", ou "nasci antes", mas se declara presente antes do patriarca, que viveu quase dois milênios antes da encarnação histórica de Cristo.

3. “Eu sou” (Ego eimi)
Essa é a expressão mais poderosa da passagem. Jesus não diz “eu era”, como seria esperado num discurso temporal. Ele diz ego eimi — eu sou. Trata-se de uma evocação direta ao nome que Deus revela a Moisés em Êxodo 3,14: "Ego sum qui sum" (Eu sou aquele que sou). Esse nome é impronunciável e absoluto, significando o Ser em sua pura atualidade, sem passado nem futuro, apenas presença. Ao dizer “Eu sou”, Jesus não apenas reivindica pré-existência, mas identidade com Aquele que é.

Essa afirmação rompe a barreira entre Criador e criatura. Jesus não fala apenas como profeta ou mestre; Ele se identifica com o próprio Ser eterno, a Fonte absoluta de tudo o que existe. É o ponto culminante da autorrevelação: o Verbo feito carne revela que não apenas veio de Deus, mas é Deus, coeterno com o Pai, sem começo nem fim.

Implicações teológicas:

  • Cristologia elevada: A afirmação funda uma cristologia que reconhece em Jesus não só o enviado de Deus, mas o próprio Deus presente na história humana.

  • Ontologia divina: “Eu sou” é a expressão da presença absoluta. Jesus se apresenta como Aquele que é por si, não por participação. Ele é o Ser em si mesmo, e não uma derivação.

  • Unidade com o Pai: Ao dizer isso, Jesus não apenas antecipa o que dirá em João 10,30 ("Eu e o Pai somos um") como prepara o entendimento da Trindade: Ele é distinto do Pai e, ao mesmo tempo, consubstancial.

  • Escândalo para os ouvintes: Os judeus compreenderam perfeitamente o alcance da frase. Por isso quiseram apedrejá-lo (Jo 8,59). Na mentalidade deles, ele cometeu uma blasfêmia ao se igualar a Deus — e isso apenas seria blasfêmia se fosse mentira.

Conclusão:
João 8,58 é o momento em que o véu da identidade de Cristo se rasga diante da humanidade. A eternidade se expressa na linguagem do tempo e revela que o Ser se fez pessoa, não para dominar, mas para conduzir o ser humano de volta à sua origem, ao “Eu sou” onde tudo encontra repouso. Nesse "sou", está a liberdade mais radical e a verdade mais plena. A escuta desta revelação exige não só fé, mas também abertura de espírito para reconhecer, no tempo, o que é eterno.

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA

Leia também:

Primeira Leitura

Segunda Leitura

Salmo

Evangelho

Santo do dia

Oração Diária

Mensagens de Fé

#evangelho #homilia #reflexão #católico #evangélico #espírita #cristão

#jesus #cristo #liturgia #liturgiadapalavra #liturgia #salmo #oração

#primeiraleitura #segundaleitura #santododia #vulgata

Nenhum comentário:

Postar um comentário