HOMILIA
O Perfume do Ser que Reconhece
No silêncio de uma casa em Betânia, entre a mesa posta e os que partilham o alimento, um gesto rompe a lógica do cálculo: Maria unge os pés do Mestre com perfume de nardo puro. Não pergunta quanto custa, nem pesa utilidades. Ela sente. Ela age. Ela revela. Seu gesto torna-se linguagem da interioridade que reconhece o Absoluto quando Ele passa.
Na ordem do real, há momentos que não se repetem. Instantes onde a eternidade toca o tempo. Maria não busca justificar-se. Sua liberdade não é reação, é presença. Ela se move por afinidade com a Verdade viva. Enquanto outros medem, ela oferece. Enquanto outros hesitam, ela se entrega. Pois quem ama verdadeiramente não busca aprovar-se aos olhos do mundo, mas manifestar, com cada gesto, a fidelidade que liberta.
Jesus não a interrompe. Pelo contrário, Ele a defende. Porque ali, naquele ato sem palavras, realiza-se o chamado de toda consciência desperta: unir-se ao que transcende, participar da Obra que resgata o tempo e lhe dá direção. O perfume enche a casa — como a lembrança do gesto atravessa os séculos — não como relíquia, mas como anúncio: toda existência encontra sentido quando se eleva ao Outro com inteireza.
Lázaro, presença da superação, é testemunho da força que já venceu a morte. Ele está à mesa. É sinal. É pedra que desperta o espírito cego para aquilo que o ultrapassa. Mas isso incomoda. Os que vivem do domínio e do controle não suportam o que é gratuito, não suportam o que escapa à lógica do poder.
Por isso, o Cristo anuncia: “Me autem non semper habetis.” Há tempos e espaços que são dádivas. Negá-los por medo ou por cálculo é perder-se no imediato. Reconhecê-los é tornar-se coautor da Luz. Que estejamos prontos, não apenas para ver, mas para ungir com a própria liberdade os passos d’Aquele que caminha rumo à plenitude do Amor. Pois onde há entrega verdadeira, ali se ergue o altar do Ser desperto.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A frase de Jesus em João 12,8 — "Os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes." — é uma das expressões mais densas teologicamente do Evangelho, pois carrega em poucas palavras uma revelação sobre a presença, o tempo, o valor da pessoa e o discernimento espiritual.
1. “Os pobres sempre os tendes convosco” – A constância da condição humana
Jesus começa afirmando uma realidade que transcende os ciclos históricos: a presença dos pobres entre nós. Essa constância não é uma justificativa para negligência, mas uma constatação do mundo em sua imperfeição. A pobreza aqui pode ser lida em sua dimensão material, mas também espiritual: são os que carecem de sentido, de justiça, de luz interior.
Este trecho ecoa Deuteronômio 15,11: “Pois nunca deixará de haver pobres na terra; por isso te ordeno que abras a mão para o teu irmão”. Jesus não anula essa responsabilidade. Pelo contrário, reconhece que o compromisso com os que sofrem permanece como parte da estrutura moral do mundo. A compaixão deve ser contínua. Contudo, essa constância exige discernimento diante do que é único.
2. “Mas a mim nem sempre me tendes” – A singularidade da presença de Cristo
Aqui Jesus revela a urgência da Sua presença. Não se trata de uma negação da ajuda ao próximo, mas de um chamado a reconhecer que há momentos e presenças que são irrecuperáveis. Cristo, enquanto caminha entre os homens, é a epifania do Verbo, e Sua presença no tempo é limitada em sua forma histórica.
Teologicamente, essa frase revela a tensão entre o kairos (tempo oportuno, sagrado) e o chronos (tempo comum). A presença de Cristo é kairológica: única, densa de sentido, portadora da plenitude da Revelação. Negligenciar esse momento em nome de uma ação que pode ser feita em qualquer tempo — por mais justa que seja — é inverter a hierarquia da realidade.
3. Maria compreende o “kairos”
O gesto de Maria, ungindo os pés de Jesus, é exatamente o oposto do cálculo racional de Judas. Ela compreende o valor do instante. Seu perfume não é desperdício, mas resposta ao Absoluto presente. Maria discerne que naquele momento, diante d’Aquele que é a Ressurreição e a Vida, só o amor incondicional e a entrega total são adequados.
4. Implicações espirituais e eclesiológicas
Essa frase de Jesus também instrui a Igreja e cada fiel sobre a centralidade da adoração, do reconhecimento da presença real de Cristo — especialmente na Eucaristia. A missão social da Igreja é inseparável da sua missão sacramental, mas a ordem interna é clara: Cristo é a fonte, e não o efeito; é o princípio, e não apenas o exemplo.
Assim, a frase “os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes” nos convida a:
Reconhecer a prioridade da presença de Deus quando se manifesta,
Entender que a ação sem contemplação é ativismo vazio,
Perceber que o amor verdadeiro não se opõe à justiça, mas a ultrapassa,
E que cada momento de encontro com o Cristo exige uma resposta de adoração, não de cálculo.
Cristo não desvaloriza os pobres. Ele revela que só é possível amá-los verdadeiramente quando o amor nasce do reconhecimento d’Ele como centro e fonte de todo valor.
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