HOMILIA
A Aurora do Ser Desperto
No silêncio da pedra revolvida, onde esperava-se fim, revela-se começo. Não está aqui. Ressuscitou. Essas palavras ecoam mais do que o anúncio de um milagre: são o chamado à emergência de um novo modo de existir. A ausência do corpo não é vazio, mas plenitude em movimento. O túmulo vazio não encerra — abre. Não se trata apenas de um retorno à vida, mas da revelação de que a vida, em sua essência, tende à elevação, à superação de tudo que a limita.
Aquelas mulheres, portadoras de aromas e luto, são figuras da consciência humana quando tocada por algo que a ultrapassa. Ao encontrarem o sepulcro aberto, são chamadas a recordar, a ligar o presente ao eterno. Recordar não é um gesto de nostalgia, mas de transformação — memória viva que desperta a identidade mais profunda do ser.
Eis o núcleo: ele vive. Se há vida além do fim, então há liberdade além da matéria, há direção. Cada ser, em sua interioridade única, é chamado a participar dessa elevação, não como imposição, mas como escolha. O divino não se impõe; ele atrai. Ele se deixa encontrar por aqueles que ousam buscar entre os vivos e não entre os mortos.
A ressurreição é mais do que uma esperança futura: é um processo contínuo, em que cada gesto de amor, cada escolha por dignidade, cada busca por sentido, é uma pequena alvorada. O que antes era opaco, fecha-se ao olhar superficial; mas aos que se curvam com humildade, como Pedro, algo se revela: a ausência que transforma, os sinais que indicam que a vida não se esgota no visível.
A vigília continua. Não mais à beira de um túmulo, mas no íntimo de cada ser que deseja viver plenamente. Ressuscitar é viver como quem sabe que nasceu para mais, que a luz não é só metáfora, mas destino. A verdadeira liberdade está em reconhecer essa vocação e segui-la com todo o ser.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
A frase “Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lc 24,6) é uma das declarações mais densas e centrais de toda a teologia cristã. Nela, convergem o anúncio do evento fundador da fé cristã e uma revelação sobre a natureza divina, a condição humana e o destino último da criação.
1. "Ele não está aqui" – A ruptura com o espaço da morte
Teologicamente, essa afirmação não é apenas uma constatação física da ausência de um corpo. Trata-se de uma negação radical do domínio da morte sobre o Cristo. O “aqui” representa o sepulcro, o lugar onde a história termina, onde a esperança humana se desfaz. Ao declarar que Jesus não está ali, o anjo anuncia que Deus não se deixa conter pelos limites impostos pela existência caída. A ausência é, paradoxalmente, presença — mas uma presença transfigurada.
Essa negação aponta para um Deus que não é prisioneiro do passado nem do finito. A ausência do corpo não nega a realidade de Cristo, mas afirma sua transformação: Ele não está como antes, pois o que era corruptível revestiu-se da incorruptibilidade (cf. 1Cor 15,53).
2. "Mas ressuscitou" – A vitória definitiva da Vida
Este é o cerne do mistério cristão: a Ressurreição não é um retorno à vida terrena, mas uma passagem para uma nova forma de existência — glorificada, plena, eterna. Ressuscitar, aqui, é ser elevado, não apenas em poder, mas em natureza. Jesus emerge não como uma simples continuação de sua vida anterior, mas como princípio de uma nova criação (cf. Ap 21,5).
A teologia da Ressurreição vê neste evento o sinal escatológico do Reino irrompendo na história. Deus, em Cristo, não apenas vence a morte, mas inaugura uma nova ordem de ser. A Ressurreição é, assim, a promessa de que a criação está destinada à plenitude, e não ao colapso.
3. Cristo como primícias e modelo do novo humano
“Ressuscitou” também significa que a humanidade de Cristo foi elevada à plena comunhão com o divino, não como exclusividade, mas como primícias (cf. 1Cor 15,20). Ele é o primeiro entre muitos. Isso tem profundas implicações antropológicas: a Ressurreição revela o verdadeiro destino do ser humano — não o aniquilamento, mas a transfiguração.
O Cristo ressuscitado é o horizonte da liberdade humana, pois Ele manifesta o fim último para o qual fomos criados: a união com Deus em liberdade plena, consciência desperta e amor absoluto.
4. Um chamado existencial e comunitário
Essa frase não é apenas para ser crida, mas vivida. “Ele não está aqui” é um convite à busca: não no passado, não no túmulo, mas no presente vivo da comunidade, da Palavra, do Espírito e do outro. E “ressuscitou” exige uma resposta: viver ressuscitadamente, como quem já foi tocado pela eternidade.
Em suma, Lc 24,6 revela que o amor de Deus não conhece barreiras, que a vida é mais forte que a morte, e que a história não caminha para o vazio, mas para a glória. Trata-se do ponto mais alto da revelação cristã: o sepulcro está vazio, porque a plenitude da Vida agora habita em outro plano — e nos chama a segui-la.
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