HOMILIA
O Mistério da Escolha na Ceia da Liberdade
No silêncio que antecede a entrega, quando o pão é partido e o olhar do Mestre repousa sobre os seus, algo mais profundo do que palavras acontece: o drama da liberdade se desvela. O Evangelho segundo Mateus (26,14-25) não nos oferece apenas a narrativa de uma traição, mas o retrato de uma condição eterna — a de todo ser que, mesmo à mesa do Amor, pode escolher o afastamento.
Judas, que partilha do mesmo pão, não é conduzido pela força das circunstâncias. Ele caminha sobre o solo sutil da decisão. E nesta decisão, o abismo se abre: o da separação da origem. Mas não há condenação antecipada. Há, sim, um aviso: “Melhor fora que não tivesse nascido.” Essa frase ecoa não como maldição, mas como o reconhecimento de que negar o sentido mais profundo da existência — a comunhão com o Logos — é renunciar ao próprio ser.
O Cristo não impõe, convida. Ele oferece a ceia como manifestação da união entre o visível e o invisível, entre o tempo e o eterno. Na partilha do pão, Ele revela que a liberdade não é um direito solto no acaso, mas uma força sagrada que exige consciência. Cada gesto humano é semente: pode ser dom ou ruptura, ascensão ou queda, união ou isolamento.
Há uma presença que não força, mas aguarda. Está na sala da ceia, está na pergunta dos discípulos: “Sou eu, Senhor?” Está, até mesmo, no olhar de Judas. Nada é escondido. Tudo é revelado à luz da verdade, que respeita a liberdade de cada consciência.
E assim, na tensão entre fidelidade e traição, o Cristo nos mostra que o destino não é um trilho fixo, mas uma resposta contínua ao chamado da verdade. O amor, quando verdadeiro, respeita até o silêncio do outro. E mesmo quando traído, não deixa de se doar.
Neste gesto supremo de liberdade oferecida e de decisão tomada, somos chamados a refletir: a cada instante, sentamos à mesa. A cada gesto, escolhemos entre a entrega ou a ruptura. E a cada passo, aproximamo-nos ou afastamo-nos do sentido mais profundo de sermos o que somos — chamados à comunhão com o Eterno.
EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA
Explicação teológica profunda de Mateus 26,24
“O Filho do Homem vai, como está escrito dele; mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Melhor lhe fora não ter nascido esse homem.”
Essa frase de Jesus, pronunciada durante a Última Ceia, contém uma das mais densas expressões da tensão entre a soberania divina e a liberdade humana, revelando o coração do drama da Redenção.
“O Filho do Homem vai, como está escrito dele”
A primeira parte da frase afirma a soberania da vontade divina revelada nas Escrituras. O “vai” indica o cumprimento do caminho messiânico que culmina na Paixão. “Como está escrito dele” remete à realidade escatológica prevista desde os profetas: o Servo Sofredor (cf. Is 53), o justo entregue pelos injustos, o cordeiro levado ao sacrifício. Aqui, Jesus não se apresenta como vítima passiva, mas como aquele que aceita voluntariamente sua missão, inserida no desígnio eterno da reconciliação entre Deus e a criação. Ele “vai” para a cruz não como alguém arrastado pelas circunstâncias, mas como quem participa plenamente do plano do Pai.
“Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído!”
Surge aqui a tensão: embora a Paixão seja profetizada e necessária para a salvação do mundo, isso não justifica a traição de Judas. O “ai” proferido por Jesus não é mero lamento emocional, mas uma fórmula profética usada nas Escrituras para anunciar um juízo. Não se trata de uma condenação arbitrária, mas da constatação do abismo existencial no qual mergulha quem escolhe livremente afastar-se da Verdade encarnada.
O paradoxo é esse: o plano divino não depende da maldade humana, mas se realiza mesmo com ela — sem que isso absolva a culpa de quem, por decisão própria, coopera com a injustiça. Judas não é um instrumento cego de um destino predeterminado; ele é um ser livre, dotado de consciência, que escolhe não apenas um gesto, mas uma ruptura ontológica com o Amor.
“Melhor lhe fora não ter nascido esse homem.”
Esta expressão é teologicamente abissal. Ao dizer que seria melhor não ter nascido, Jesus revela que há um destino pior que a morte física: a perda do sentido do ser, a negação total da verdade e do bem, que implica a separação da comunhão divina. Não se trata apenas de punição, mas da constatação de que, para aquele que se fecha completamente à luz, a existência torna-se peso insuportável, pois ela perde a sua finalidade transcendente.
Esse dizer não condena Judas à perdição eterna de forma explícita, mas aponta que sua escolha livre — se não redimida pela conversão — conduz a um estado de existência em que a própria vida perde sua significação, pois rompeu-se o vínculo com o Princípio que a sustenta.
Conclusão:
Essa frase revela a seriedade radical da liberdade humana diante do Mistério da Encarnação. Cristo caminha para a cruz por amor e fidelidade ao plano do Pai, mas o traidor, ao recusar esse amor, exclui-se da comunhão. Deus respeita profundamente a liberdade, mas essa liberdade carrega um peso sagrado: escolher contra a verdade é escolher contra si mesmo. E, por isso, o “melhor não ter nascido” é o eco de uma dor que não vem de Deus, mas da recusa absoluta do bem.
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